Centro Acadêmico Ruy Barbosa

CARB

Manifesto Dirigido à Nação

 

MANIFESTO DIRIGIDO À NAÇÃO PELOS ALUNOS DA FACULDADE DE DIREITO DA BAHIA

“Os signatários da presente publicação, alunos da Faculdade de Direito da Bahia, tendo até agora esperado embalde que alguma voz se levantasse para vingar o direito, a lei e o futuro da República, conculcados e comprometidos no cruel massacre que, como toda a população desta capital já sabe, foi exercido sobre prisioneiros indefesos e manietados em Canudos, e até em Queimadas; e julgando ao mesmo tempo que, nem por haver cumprido um dever rigoroso, é licito ao soldado de uma nação livre e civilizada colocarse acima da lei e da humanidade, postergando-as desassombradamente: - vêm declarar perante os seus compatriotas – que consideram um crime a jugulação dos míseros conselheiristas aprisionados, e francamente o reprovam e condenam, como uma aberração monstruosa, que se chegasse a passar sem protesto, lançaria sobre o nome da pátria o mesmo laivo de sanguinolenta atrocidade que, repelido pela bandeira cristã de Menelick – o africano – assenta hoje vergonhosamente sobre a emperrada barbaria do crescente otomano. Os alunos signatários sabem que seria impolitico e errado a proceder de uma república que, imitando a antiga Atenas, perseguisse os seus guerreiros de volta da batalha arriscada; mas compreendem também, por outro lado, a grave necessidade de que uma geral reprovação caia como raio de justiça inflexível sobre aquele morticínio praticado talvez na inciência das leis sagradas, que protegem na culta república brasileira a vida sempre respeitável de um preso manifestado e sem defesa. O Brasil republicano só há de prosperar quando estiverem consolidados certos hábitos, certas práticas indispensáveis ao seu desenvolvimento normal; a história da república atravessa o período da consolidação dos costumes. Urge que, em vez de deixa-las, como um precedente funestíssimo, profliguemos todas as injustiças, todas as ilegalidades, com a serena sobranceria de quem se sente apossado pela razão e o direito. Urge que estigmatizemos as iníquas degolações de Canudos, para que todos se convençam, para que fique indestrutivelmente assentado – que a república, como qualquer governo civilizado do século XIX, repele com a mesma indignação e o mesmo horror a série intensa das oblações sanguinárias, desde o holocausto desnaturado de Brutus até o guilhotinamento em massa dos ferozes republicanos de 1789. Nos tempos de Caracala, a prioridade das reinvidicações que o direito não desdenha, mesmo quando intentadas em geral da causa de miseráveis mortos, era reclamada como uma honra pelos Papinianos incorruptíveis. Hoje, que os brasileiros se vangloriam de possuir cultura igual á dos mais adiantados povos progressistas, seria uma vergonha sintomática de maiores aviltamentos para o futuro, se a consciência nacional, acobardada, emudecesse diante dos responsáveis pelos trucidamentos de Canudos e Queimadas. Combatendo naquelas paragens pelo restabelecimento da soberana autoridade das leis, ninguém tinha lá o direito de desprezá-la erigindo-se, fora da luta, em supremo árbitro da vida e da morte, quando a própria majestade da república não recusa ao mais miserável e torpe dos seus prisioneiros o sacratíssimo e iniludível direito de defesa. Aquelas mortes pela jugulação foram pois uma dehumanidade sobreposta á flagrante violação da justiça. Já não há Caracalas; e se os houvera, os alunos signatários, quebrando embora a estrondosa harmonia dos hinos triunfais, e o concerto atroador das deificações miraculosas, cumpririam apesar deles, o seu dever, proclamando as palavras de justiça e de verdade que aí ficam, e que, porventura, concorrerão para impedir no futuro a triste renovação de semelhantes atrocidades."

Faculdade de Direito da Bahia, em 3 de Novembro de 1897.